Sinceramente, não sei o que ainda faço acordada. São quase duas horas da manhã, sem esse negócio de horário de Brasília, são quase duas da manhã mesmo, sem uma hora para mais ou para menos, porque no norte não tem fuso horário, graças a Deus. Estou sentada aqui na sala de casa, não necessariamente aquela que você conheceu, porque eu mudei algumas coisas - troquei a velha cortina de pano por uma persiana estampada com detalhes verdes e brancos, e eu nem sei se isso é verde ou azul, mas acho que é verde mesmo, embora olhando direito e com mais atenção ela pareça azul. Persianas parecem ser mais práticas e eu tenho evitado coisas que me dão muito trabalho. Eu já quebro cabeça demais comigo mesma. Mudei também aqueles sofás desbotados. Coloquei uns bancos, tipo banco de balcão de bar, mas já me arrependi, porque o sofá é sempre mais confortável, e agora eu quero trocar de novo os bancos pelo sofá, porque eu vivo numa indecisão que Deus me livre de mim. Ainda bem que você se livrou.
Troquei aquele treco que a gente coloca na lâmpada e eu acabei de esquecer o nome - lustre? Não é lustre. Lustre é uma coisa muito chique, muito fina, e simplicidade pra mim é o suficiente -, mas troquei, porque aqueles negócios (como chama aquilo?) estavam muito velhos. Sabe como é, né? Ritual de começo de ano: ano novo, vida nova. Mas por dentro sempre continua a mesma coisa, talvez por isso nunca mude nada. Ando esquecida. Esquecida e esquisita. Venho esquecendo de muita coisa ultimamente. Esqueci de como eu costumava anotar em post-its meu afazeres do dia e colar na porta da geladeira e, consequentemente, ando esquecendo dos meus afazeres. Esqueci teu cheiro, teu sorriso e o tom da tua voz me pedindo para deitar mais um pouco, porque ainda é cedo e hoje é sábado. Era isso o que você dizia? A tv continua a mesma. Quase não assisto televisão, você bem sabe, então não queria uma nova só para servir de enfeite. Deixei essa antiga que é pra dar um ar meio vintage. Bobagem, não é?
Coloquei uma placa na porta do apartamento "A felicidade mora aqui", mas aqui não mora felicidade coisíssima nenhuma. A preguiça mora aqui, e a saudade, e algumas lembranças também. A felicidade bate aí na porta de vez em nunca, e nunca entra, até porque eu sequer a convido para entrar. Bate em forma de distribuidor de panfleto - do lava-a-jato, da manicure, da escola para educação infantil lá na outra rua. E é visível a alegria estampada na cara dessas pessoas. Aceito com afeto os panfletos e guardo todos. Sim, mais uma das minhas manias. São quase duas da manhã e eu tô esperando a fome bater, mesmo sabendo que não há nada na geladeira, nem no armário da dispensa. Acabei colocando MPB pra tocar baixinho no DVD e percebi a falta que faz uma companhia para dançar pela sala na madrugada. Tô tentando mudar não só a aparência do apartamento - com sino dos ventos na janela (eles fazem uma melodia maravilhosa!), uns incensos no corredor e um apanhador de sonhos na cabeceira da cama, que possa afastar o tanto de pesadelo que costumo ter -, assim como tô tentando mudar a aparência da velha e mesma eu.
Cortei o cabelo, tingi uns fios de loiro - eu que sempre detestei loiro -, tatuei mais algumas coisas e tenho distribuído mais sorrisos (exceto para os distribuidores de panfleto. Tem coisa mais injusta?). Tenho tentado esquecer umas mágoas - em vão, claro. E agora já passa das duas da manhã. Ainda não sei o que faço acordada e não sei o que faço para comer. Ainda não lembro o nome do negócio que a gente coloca na lâmpada e quero deitar na sala, mas não tem sofá. Deito no chão. Acabou o MPB. Acabou a comida e continuo sem sono e com fome. Tô deitada aqui no chão da sala, olhando pro negócio ali na lâmpada e lembrei: se chama luminária. Troquei a luminária da sala e já me arrependi. Quero um abajur.
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