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Mostrando postagens de novembro, 2013

Do lado de dentro

Perdia-se entre as duas que ela costumava ser. Variava de acordo com o tempo, as companhias e os ocorridos - ou os ocorridos dos dias, as companhias e o tempo é que variavam para adaptar-se a ela? Os amigos já nem estranhavam mais. Mas os familiares sim. Em algumas épocas, ela florescia como a primavera e coloria a tudo e todos com sorrisos espontâneos, felicidade despreocupada e os ombros dela relaxavam. Ela dançava e fotografava, cantava, contava e ouvia histórias. Precisava de muitos por perto; quanto mais, melhor. Odiava sentir-se sozinha e nunca estava. Esquecia-se dos compromissos tediosos, dos seus romances mal resolvidos, lia e escrevia histórias com finais felizes. Acreditava na sua vocação para a escrita e dedicava-se àquilo como tantos apaixonados. Acreditava em si e no que produzia. Fazia o que julgava certo, e o certo lhe agradava. Os cabelos, os olhos e o sorriso brilhavam em conjunto. Empenhava-se nos próprios projetos, pisava firme e confiante no caminho que ela ia tra

Diagnóstico

Acordei com o peito apertado. A sensação não era estranha. Coração batendo forte e acelerado, pensamentos perdidos, falta de apetite e sono inquieto. Alguns falaram que ouvir música triste era terapêutico. Coloquei música. Várias delas. Fiz uma playlist melancólica. A sensação piorou: a dor escorreu pelos olhos. O peito apertado sentia um vazio. E meus braços sentiam também, e o outro lado da cama esperava por alguém. Reli mensagens, refiz na memória cenas de encontros, reencontros e desencontros. Cada lembrança fazia a dor do peito aumentar. Eu queria que o remédio para curar aquilo fosse voltar no tempo e fazer tudo de novo, só que diferente. Pensar em arrependimento não melhorava em nada. Levantei e olhei as roupas espalhadas em cima da cama. Faltava-me vontade para arrumá-las. Faltava-me vontade para muitas outras coisas. O aperto no peito continuava a me machucar, então achei melhor disfarçar com um “bom dia” e tomei uns goles de café. Não almocei. Nem ontem, nem hoje e amanhã n

Dois

Estavam abraçados na cama, quando ele disse: - Fala pra mim aquilo que eu gosto de ouvir? Ela virou-se para ele, o olhou por alguns segundos até entender o que ele estava pedindo. Então respondeu: - Por que eu falaria de novo algo que você já sabe? - Eu sei? - Não sabe? - Sei de nada. - Tudo bem. Então, eu digo. E aproximou o rosto dela do rosto dele, enquanto suas mãos acariciavam-lhe a barba recém-aparada, olhou-o nos olhos e disse baixinho: - Eu amo você. E lhe deu um beijo suave e demorado, antes de tornar a dizer: - Eu amo você. Muito. E quero ficar com você... Quero ser sua. - Mas você é minha. (silêncio) - Fala de novo? E ele sussurrou: - Você é minha... Só minha... Ela sorriu e o beijou por outras infinitas vezes.

Anos depois.

Esperava-lhe com um copo de café expresso nas mãos. Organizava os cômodos da casa, certificando-se que todos os ambientes estavam perfumados e que nem uma flor tinha murchado com o excesso da ansiedade dela. Aguardava por esse momento havia uma eternidade de dias. Dias nem sempre tão claros. Noites quase sempre em claro, mas sempre escuras demais. Dias, noites. Sentou-se na poltrona reservada a ele. Observou a fumaça que saía do café, em cima da mesa de centro. No centro, um vaso com flores artificiais. A fumaça subia, subia, até desaparecer gradualmente. Mal podia ver até onde ia o fim dela. Sentia-se assim em relação a ele. Não ela, mas o que sentia por ele. Depois de tanto tempo, aquilo que ela sentia com tanta intensidade, agora mais parecia uma fumacinha, uma faísca que a gente sopra, sopra e abana para tentar reacender o fogo. Mínimo que seja. Mas era forte, assim como o café. O café quente que logo ficaria frio. Ele nunca aparecera para dar um oi. Ela, vez em quando, deixava es

Aquilo que ela queria ser.

Houve um tempo em que cigarro, livros e café eram sinônimo de intelectualidade. E ela queria ser clichê. Queria fumar e beber, ser culta, escritora. Queria tomar álcool, mas nem água ela tomava direito. Queria ser culta, mas só lia romances vazios e desinteressantes, desses que qualquer adolescente costuma ler só para sonhar. E ela não era mais adolescente. Já tinha passado dos 25 e ainda sonhava. Sonhava em ser escritora, mas mal redigiu cartas; poemas, não sabia rimar. Queria ser independente, mas não arrumava a prória bagunça - da cama, da rotina, das ideias. Ela queria viajar pelo mundo, mas o máximo que conseguia era viajar na própria imaginação. Viajava até demais, a ponto de confundir fantasia com realidade. Quis ser médica ou enfermeira, porque era fascinada pelos cuidados da saúde e do corpo humano. Sequer cuidava da própria saúde, mal residia no próprio corpo; duvidava se tinha uma mente sã. Falava de amor mais que qualquer romancista, porque queria amar, dizia ela. E amava,