Perdia-se entre as duas que ela costumava ser. Variava de acordo com o tempo, as companhias e os ocorridos - ou os ocorridos dos dias, as companhias e o tempo é que variavam para adaptar-se a ela? Os amigos já nem estranhavam mais. Mas os familiares sim. Em algumas épocas, ela florescia como a primavera e coloria a tudo e todos com sorrisos espontâneos, felicidade despreocupada e os ombros dela relaxavam. Ela dançava e fotografava, cantava, contava e ouvia histórias. Precisava de muitos por perto; quanto mais, melhor. Odiava sentir-se sozinha e nunca estava. Esquecia-se dos compromissos tediosos, dos seus romances mal resolvidos, lia e escrevia histórias com finais felizes. Acreditava na sua vocação para a escrita e dedicava-se àquilo como tantos apaixonados. Acreditava em si e no que produzia. Fazia o que julgava certo, e o certo lhe agradava. Os cabelos, os olhos e o sorriso brilhavam em conjunto. Empenhava-se nos próprios projetos, pisava firme e confiante no caminho que ela ia traçando aos poucos.
O problema era quando o caminho desviava-se em alguns trechos. Haviam muitos buracos na pista e ela pisava no vão. Perdia-se no caminho de volta e muitas vezes nem queria voltar. Caía no abismo da solidão e dos sentimentos sombrios, que apareciam inesperadamente, normalmente depois de uma noite tempestuosa ou de um entardecer sem ventos. Como um ciclone, a outra parte dela vinha sem previsão e deixava estrago, fazia bagunça, destruía-lhe os sorrisos. Os textos ficavam sem um final. Trancava-se no quarto e evitava ser vista. Também não queria ver. Não queria ninguém por perto; quanto menos, melhor. Adorava sentir-se sozinha, e sempre estava. Sentia falta e não sabia de quê. Desacreditava-se e não queria mais ser. Olhava as fotografias e pareciam todas desfocadas agora. Relia seus textos e era tudo ridículo demais. Caía no choro, feito folhas de outono, que desprendem-se dos galhos para cair num lugar qualquer do chão.
Ela variava entre primavera e outono; às vezes construía uma coroa de flores, às vezes juntava as folhas do chão para rabiscar sobre quem ela não sabia ser. Preferia o silêncio do quarto, que as músicas do karaokê. Seu corpo, assim como os ocorridos, o tempo e as companhias, acabou adaptando-se às mudanças de estação do estado de espírito dela.
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