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Refeição

Pergunto-me como sabemos decodificar sentimentos. Eu sei, é chato ter que me ouvir falar sempre a mesma coisa, todas as vezes que nos encontramos. Mas dessa vez é diferente: estamos sozinhos na minha casa, pela primeira vez - sozinhos e na minha casa -, e eu tô sentada aqui, dividindo minha atenção entre saber interpretar sentimentos, saber quando aquele feijão no fogo vai estar pronto para ser servido, e como servi-los a você - o feijão e minha reflexão sobre sentimentos. Você sabe, eu nunca fui muito boa com feijões, na verdade, nunca fui boa na cozinha, mas a gente tenta. E também nunca fui boa em falar sobre sentimentos. Os feijões, por exemplo, eu nunca soube qual é o momento exato de retirá-los do fogo. Nunca soube a quantidade certa de tempero nem quais são os temperos certos, para que não fique exageradamente salgado ou terrivelmente insosso. Ah sim. O que tem a ver sentimento com os feijões? É que eu também nunca sei o momento certo para falar sobre o que eu sinto - e muitas vezes nem ao menos sei o que to sentindo, entende? Entende, claro que entende. Por exemplo, olhando pra você aqui, agora, com o feijão ali no fogo, você aí sentado, me olhando com olhos que não compreendem patavinas do que estou dizendo. Você ainda se assusta? Ora, com essa minha mania de não dizer coisa com coisa. E não me interrompa. Pois bem, como eu ia dizendo, você sentado aí, me olhando, eu olhando pra você... Eu sinto tanta coisa aqui dentro. E eu não sei decodificar o que é. E assim como os temperos desse feijão que está no fogo, não sei se devo falar demais ou de menos sobre o que - supostamente - estou sentindo por você. Mas é algo como 'quero te ter por perto, mas não tão perto, que é pra não sufocar, mas ainda assim bem perto, para sentir teu cheiro, e conseguir ouvir tua respiração, e sentir tua pele na minha'. É esse tipo de "declaração" a que me refiro, viu? Demasiadamente temperada. Não, não a comida. Essa frase sobre querer te ter por perto, sobre querer te ter. Talvez seja medo. De que? De não ter feijão o suficiente ou de você não gostar do gosto dele. Aliás... Você gosta de feijão? E do que eu sinto por você? Verdade, como você pode gostar de uma coisa que nem sabe o que é? Eu sei que isso não é pergunta que se faça. Perdoe-me. Acho melhor deixar esse feijão assim, por fazer, também não quero mais tentar decodificar esse negócio de sentimento à toa, enquanto você só me olha e ri. É tudo complicado demais. Cozinhar. Gostar. Amar. Olha, tudo bem se você não quiser comer. Não vou obrigá-lo a nada. Muito menos a gostar de mim. Mas não vai ainda. É que é a primeira vez que você vem na minha casa, e a gente fica assim, a sós, diferente de toda aquela multidão que transita no parque. Hein? Ah! O cheiro? O feijão que queimou. Ah, tudo bem. Não ia adiantar muita coisa mesmo. Perdi a fome e você nem gostar de feijão gosta. E olha que faz um bem danado pra saúde, sabia? Sim, o feijão. E amar também. Gostar de alguém, sei lá. O que será que é isso que tô sentindo, hein?  Você sabe? Você sente? É, imaginei que não. Não, não vai ainda. Fica. A gente prepara outra coisa. Ou vê um filme. Ou ouve música. Mas fica, mesmo que a gente não faça nada. É que sempre me atrapalho com visita. Me atrapalho quando você tá perto e acabo sem saber o que oferecer. Fico imaginando se é o suficiente, se sou o suficiente pra você. Sabe de uma coisa.... Não é gostar nem amar. Isso que tô sentindo deve ser só fome.

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