Isso deveria ser errado. Eu
sonhar com ele todos os dias. Não sonho à noite, se sonho não lembro e prefiro
sonhar durante o dia mesmo. Mas imagino-o aqui e desejo que ele estivesse aqui,
comigo. E não é de hoje e não sei como foi. Mas agora é assim e deveria ser
errado. Cada palavra que ele escreve, o modo como se refere a mim – será tudo
verdade? – e eu acredito em cada vírgula. Deveria ser errado, já que nem ao
menos posso vê-lo nem ouvi-lo e ainda assim o quero para mim. E somente para
mim. E nem sei como deve ser o lado de lá, o que se passa no interior dele, mas
ele faz com que eu o deseje antes de dormir e acorde esperando por um único e
pequeno sinal de que pensa em mim também. Sentada aqui no piso frio, com uma
música ao fundo, de uma banda que mal conheço, eu gostaria que ele estivesse me
abraçando – ao som dessa música. Aqui no chão frio.
Eu queria passar minha boca
em cada parte do corpo dele. E queria tocá-lo e senti-lo. E eu sinto, às vezes.
Mas eu estou de olhos fechados e ele se esvai quando volto a abrir. E então
ouço sua respiração ficando ofegante e ele pega meus cabelos e me deita no
chão. E fica por cima de mim e me olha nos olhos. E beija minha boca. E desce
pelo meu pescoço. E me morde vagarosamente e eu arranho suas costas. E a música
continua tocando enquanto ele toca meu corpo e levanta minha blusa e fala que
me quer. Mas eu estou de olhos fechados e é por isso que ele diz isso. E eu sou
dele, mesmo de olhos abertos. E agora posso senti-lo dentro de mim. E não quero
que pare nem que acabe nem que ele se vá. E agora é ele que escuta minha
respiração ofegante. E fala que eu sou dele e somente dele. Entendeu? Digo e
repito que sou dele e somente. E ele tem o corpo suado, eu também, porque o
chão é duro e frio, mas está quente e não importa.
E deveria ser errado pensar
essas coisas sobre uma pessoa que nem se conhece. Mas é como se eu o
conhecesse, por isso imagino.
Às vezes ele deita comigo e eu repouso a cabeça
sobre o peito dele. E ele tem um cheiro bom. Às vezes ele repousa a cabeça no
meu colo e então acaricio seu rosto e sua boca, querendo beijá-la, mas não beijo,
e fico roçando a mão na barba dele, que eu nunca vi também, mas eu gosto. E
deveria ser errado imaginar essas coisas, porque eu continuo no chão duro e
frio, sem ele e nem sei por onde ele anda e o que faz e com quem deve estar. E
também não gosto de imaginar. E os livros estão espalhados pelo chão e toca uma
música de uma banda que mal conheço, mas até gosto e ele não gostaria, eu acho.
E talvez não passe disso. E eu gostaria que passasse. Como eu gostaria!
E
talvez eu devesse ir lá fora, viver alguma coisa real, mas o problema é esse
meu gostar, esse meu querer e não ter, essa necessidade minha dele, sempre que
se ausenta. E tudo o que me impede de abrir mão da gente. Isso deveria ser
errado.
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