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Entrelinhas

Sabia que não chove desde quando você foi embora? E isso é bom. Porque eu lembro do barulho da chuva caindo, como naquele dia em que você apareceu na minha casa, no meio da noite, batendo na janela do meu quarto, me pedindo para ir lá fora, e havia esquecido o celular e não tinha como avisar. E nós dois ficamos abraçados no pátio da minha casa, enquanto todos dormiam. Só eu, você e a chuva. E eu não senti frio naquela noite. Você deitou com a cabeça no meu colo e eu acariciei cada centímetro do teu rosto, com a tua barba espinhando minha pele, mas eu não me importei, porque teu rosto estava macio do mesmo jeito.

Acariciei seus lábios e eu coloquei uma música para tocar no meu celular, bem baixinho, uma música qualquer, que depois daquela noite já não seria mais uma música qualquer. Seria a nossa música: minha, sua e da chuva que caía. E então, de repente, você disse que precisava pensar melhor. Sobre a gente. Que gostava da minha companhia e eu era muito especial para você. Você dizia que foi bom ter me conhecido e contou das vezes que sentia minha falta quando passávamos muito tempo longe. Eu entendi cada palavra, assimilei mesmo não querendo ouvir, porque não queria que você se afastasse nem mais um pouco do meu toque. Você continuava falando e dizia que não estava pronto, que era tudo muito bom entre a gente, mas se apegar seria um erro, porque você não estava pronto. E eu estava.

Naquele momento eu desejei não ser especial para você. Eu preferia ser só mais uma, só mais uma pessoa que passa e você olha e não repara, eu também não e então a vida poderia seguir e ninguém se justificaria por nada. Nem sofreria por nada nem ninguém. Você não queria ouvir nenhuma declaração da minha parte, fosse através de música ou de textos ou de imagens ou de versos e poemas. E eu também não queria falar nada, por medo de te assustar com um sentimento tão precoce, que eu prefiro não dizer o que é. Então, te fazia escutar as músicas mesmo assim, para ver se você entendia as entrelinhas, mas você fingia não enxergar. Eu não podia confundir as coisas, porque era uma amizade colorida, não era? Deveria ser, não?

Mas você veio com essa história de me fazer sentir especial e única, mas depois reclamava de saudades dela e ainda assim me permiti gostar de você. Não importa quantas vezes eu dissesse ‘eu te quero e gosto de você’, porque é dela que você sentia saudades e ainda sente. E é por causa dela que você fez todo aquele discurso na noite da chuva, quando eu achava que você seria só meu.

E eu errei ao querer que você fosse para mim mais do que eu poderia exigir, mais do que a vida permitia que você fosse, porque você nunca seria. Não gosto dessa palavra –nunca – , você sabe, mas é nunca mesmo. Você sabe.


E agora faz Sol. Bate um vento e o cabelo espalha no rosto, mas ainda continua frio aqui no pátio da minha casa. Faz Sol e isso é bom porque assim não escuto o barulho da chuva, mesmo lembrando de você sem ouvir o barulho da chuva. E também não escuto a nossa (antiga) música. E já não dói tanto como naquela noite, mesmo que eu tenha vontade de te puxar para mim todas as vezes em que você passa e, então, eu poderia acariciar teu rosto, agora já sem barba, mas ainda espinhando a pele. Não só a pele, mas tudo o que eu guardo por baixo dela. E, então, te beijaria e faria as declarações que você nunca quis ouvir e eu nunca quis dizer, porque eu já não teria medo de que você se assustasse e fosse embora depois, para nunca ser meu. Porque aprendi a aceitar que você não será – nunca – (só) meu. 

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