Ela passeava toda a tarde no jardim, porque as flores eram as únicas que gostavam de ouvi-la. Seu choro regava cada pétala. O toque de suas mãos acariciava cada espinho e ela já não sentia mais dor. A moça do cabelo longo, castanho-claro, sempre amarrado em coque por causa do calor excessivo, acendia uns dois ou três cigarros e observava o sol se pondo na cidade de pedras. Ela sentia falta da fazenda de beira de estrada, onde o riacho corria transparente por detrás da colina. Na cidade, o pôr-do-Sol nunca fora tão cinza. O nascer do Sol sim, era mágico. Ela escrevia sobre seus amores, todos falhos, estampados em porta-retratos na escrivaninha da sala, nunca concretos.
Ouvia jazz e blues com um pouco de café, sentada na poltrona que ficava perto da janela. A poltrona perto da janela. Seu lugar preferido naquela casa tão grande, tão vazia, com cômodos ainda inutilizados. A poltrona de couro marrom, aconchegante, onde sempre pegava no sono, quase sempre às onze-e-pouco da noite. Seu quarto, revestido por cortinas largas e brancas. Branco pra dar uma sensação de paz, depois de tantos anos lutando contra seus vícios e suas derrotas. Não tinha sido fácil; ela sempre exigindo muito de si, muito dos outros para acabar sozinha. Mas agora bastava. Seu emprego era o suficiente pra sustentar aquele corpo pequeno e frágil. Reconhecia que precisava de alguém. Sempre se precisa de alguém depois que se passa dos trinta. Mas quem seria digno de dividir com ela as noites mal dormidas ou não dormidas? Quem suportaria ficar acordado até altas horas da noite-dia, escutando a moça contar seus contos, ouvindo ela dar risadas? Quem a faria sorrir novamente?
Ela se debruçou sobre a janela do quarto e pensava como as coisas poderiam ter sido diferentes com o jovem soldado. Ela imaginava rumos diferentes para a história mal contada deles dois, um tanto confusa e mal acabada. Nada convincente. Eles tiveram recaídas, normal. Ela ainda conseguia escrever sobre ele. Mas não conseguia enxergá-lo ao seu lado, caminhando em direção à luz do fim do túnel. E chegava à conclusão que não poderia ser ele. Balança a cabeça e desfaz a imagem do –agora não tão jovem- soldado.
Busca outros nomes e a imagem do menino bonito a faz abrir um breve sorriso no canto da boca. Ela nunca encontrava palavras para escrever sobre ele, embora pensasse muito nele. Ela tinha ótimas histórias em relação à eles dois, mas não passavam de estórias. Talvez ele tivesse sido uma ótima companhia nas caminhadas ao amanhecer. Pausa para uma tragada. Talvez ela não precisasse de música no fone de ouvido, pois ele sempre sabia o que falar, sempre tinha um assunto pronto na cabeça e ela gostava de ouvir. E então ela lembrava que nunca passou disso. Eram sempre só palavras, palavras... não poderia ser ele também. Balança a cabeça e lamenta ter que tirar da cabeça a imagem daquela boca vermelha que ela nunca beijou.
Outros nomes passaram pela cabeça, mas ela já estava cansada demais para criar expectativas em relação a qualquer um deles. Fecha a cortina. Deita sozinha, mais uma vez com a promessa de no outro dia abdicar o fumo. São cinco. Prepara um café e se prepara pra caminhar. Vai sem fones e sem cigarros. Sete horas e é hora de trabalhar. E torce para que a entrevista do dia seja com aquele que será a sua companhia no fim das noites, que ela não escreva nem pense nem invente histórias. A pessoa que vai fazê-la viver o que, até então, ela só imaginava.
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