Ana habitava numa casa um tanto imperial. Lustres de vidro
enfeitavam as salas aconchegantes e o piso era feito de madeira envernizada. As
escadarias possuíam detalhes artesanais que ela mesma fizera. Ana vivia
sozinha; não gostava de baladas, não gostava de agito e guardava uma máquina de
datilografar no sótão, que herdara de sua avó. Ana tinha apenas 19 anos e saíra
há pouco tempo da casa dos pais.
Sempre teve esse gosto por coisas antigas, que tivessem uma
história por trás de todas elas. No corredor da casa haviam quadros feitos em
tintura a óleo, cada um retratando diferentes paisagens. Nos tempos de escola
foi apelidada de ‘anacrônico’, graças ao seu bom gosto por objetos gastos e sua
mania de sempre ficar só. Odiava quando as meninas populares tentavam, de todas
as maneiras, implicar com seu cabelo despenteado e seu all-star rasgado. Até
suas próprias primas criticavam seu estilo largado e despreocupado. Eis a razão
pela qual não se sentira bem na casa dos pais, que estava sempre habitada por
parentes luxuosos e mesquinhos.
Dificilmente Ana recebia visitas. Volta e meia conseguia um
parceiro de fim de noite, que conhecera num bar ou restaurante, para lhe fazer
companhia nas madrugadas frias. Ana gostava mesmo de ficar só. Ana era mesmo
antiquada. Fizera alguns amigos no começo da faculdade, que largou ainda no
primeiro semestre, e vez ou outra os convidava para ver filmes e séries, tocar
violão perto da lareira, jogar dominó ou andar de bicicleta no parque.
Ana contentava-se com o fato de ser simples; contentava-se
com o fato de ter poucos amigos e viver longe da falsidade que reinava na casa
dos pais. Poderia viver em paz, ainda que sem muito luxo. Poderia fazer o que
quisesse, a hora em que quisesse, sem pressão, sem cobranças.
O papel de parede vintage do quarto de Ana mostrava bem sua
personalidade. Seus livros estavam sempre muito bem arrumados nas prateleiras
do quarto, da sala de estar, do sótão. Todas as manhãs ela meditava no imenso
quintal, com jardins coloridos e floridos, ainda que não fosse primavera.
Tirava foto de todas as cenas bizarras que vira. Ana não fumava, não bebia.
Seus únicos vícios eram as músicas, os livros. E adorava escrever. Não se sabe
o quê, mas Ana escrevia todas as tardes. E adorava café. Forte e puro. Nas
noites estreladas, Ana contemplava o brilho das estrelas e a Lua gorda com seu
telescópio e adormecia na rede, que já conhecia o toque do corpo da menina.
Da jovem e idosa, doce e determinada Ana.
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